domingo, 23 de setembro de 2018

O FIT não decepcionou


Escrevo estas linhas no penúltimo dia do Festival de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte. Para mim ainda falta assistir mais um espetáculo, Peixes, que verei hoje à tarde.

Até aqui assisti a sete espetáculos. Esse ano não fui capaz de fazer a maratona que fazia em edições passadas. Problemas de agenda e ânimo mesmo. Mas confesso que as sete produções que vi foram satisfatórias. Saí emocionado de umas, engasgado de outras, pensando em todas. Quando foi anunciada a proposta curatorial fiquei um pouco apreensivo, temeroso até. Pensei que o FIT ia ficar restrito a um pequeno grupo, espetáculos para guetos. Especialmente quando foi divulgada a lista dos espetáculos locais. Apreensão que aumentou depois da decepcionante abertura. Mas o que vi depois mudou meu ponto de vista. Vi espetáculos fortes no radicalismo de sua proposta e discurso, espetáculos para pessoas que pensam e que desejam um mundo melhor, mais humano. Humanismo. Esta foi para mim a tônica do festival. Empatia pelo sofrimento humano, pelos dilemas de nossa existência em um mundo cada vez mais patético.

Depois das boas impressões causadas por Black Off e A Invenção do Nordeste, vi por indicação de meu amigo Guto Muniz ao simpático Simon, El Topo, do Teatro de La Plaza, do Peru. Um espetáculo de bonecos destinado ao público infantil (nem tanto) em que a toupeira Simon tem problemas com as pressões sociais. Ele é uma toupeira que tem dificuldades em assimilar coisas que as toupeiras fazem como caçar minhocas. A falta de jeito com a coisa faz com que ele se sinta repudiado pelo grupo que o considera um “veadinho”. Situação muito corriqueira na vida de milhões de pessoas. Eu mesmo tive muitas dificuldades na minha infância por não gostar de jogar futebol, o que na economia sexual da criança brasileira de minha época era sinal de pouca masculinidade. Incrível eu gostar hoje de futebol como torcedor e ser fanático pelo Galo...enfim. Simon, El Topo é um espetáculo que fala desse dilema que desemboca na solidão da personagem principal. 

Na sua solidão ele encontra o amor de outra toupeira macho. Mas isso é dito de uma forma lúdica (afinal, estamos falando para crianças) e episódica. A relação não se desenvolve e Raul, a toupeira amiga de Simon, só aparece na cena final da festa de aniversário como mais um convidado. Pronto. Está dado o recado. O único senão é com relação a dramaturgia. Penso que a ela poderia ter sido mais ousada. No decorrer da história há uma tempestade que inunda tudo e Simon aparece como o salvador de seu grupo conduzindo-os para uma toca mais segura, a toca onde ele se escondia quando estava infeliz. Fico pensando... É necessário ele se transformar em herói para ser aceito pelo grupo? Como não sei qual é a situação em que o espetáculo foi concebido (sei nada sobre a questão sexual no Peru), não posso julgar, mas fiquei esperando um pouquinho mais da história.

Donde Viven Los Bárbaros da Compañia Bonobo do Chile foi outra boa surpresa. Chilenos e argentinos sempre trazem bons espetáculo para o FIT. “Viagem ao Centro da Terra”, do La Tropa e “Maratona”, do Sombrero Verde, foram sem dúvida dois grandes momentos da história do FIT. Donde Viven Los Bárbaros não deixa por menos. Espetáculo dividido em duas partes (para mim poderia ter sido só uma, mas isso é um desejo meu), na primeira, num passado clássico (Grécia), um homem é mandado para os limites da civilização, para a terra dos bárbaros, mas ele não encontra as bestas que julgava encontrar lá. Os bárbaros, afinal são iguais a nós. A montagem dá um salto e aterrissa no Chile dos tempos atuais, para uma reunião entre três primos. Num texto que lembra as melhores obras de Eric Emmanuel Schimit, a progressão do enredo nos traz inusitadas surpresas. 

Os atos impensados das personagens os levam a situações limite onde fraquezas, medos, anseios e ressentimentos são expostos. Ao final, o que sobra é uma inversão da posição sartreana de que o “inferno são os outros”. Não. O inferno sou eu mesmo. Os bárbaros não moram além da fronteira, mas dentro de mim. Uma bela metáfora para o mundo atual. Além dessa preciosidade de texto o que salta aos olhos de nossos irmãos de continente é o brilho das interpretações. Sou um grande admirador dos argentinos. Gosto de seu rigor, de sua precisão. Os chilenos não ficam atrás. A interpretação precisa. Texto bem falado, presença cênica, nenhum um gesto a mais ou a menos. Muito bom.

Hoje fico por aqui. Postarei os outros comentários nos próximos dias.

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