É difícil para quem atua nas artes conciliar sua vontade
louca de acompanhar tudo que o festival mostra com as urgências do trabalho, no
caso a montagem de dois espetáculos que irão estrear no segundo semestre. Sei
que estou perdendo muita coisa boa como “Voyageurs Immobiles”, “Estamira” (para
o qual simplesmente não consegui achar ingressos), “Mistero Buffo” ou
“Translunar Paradise” ou o israelense “Quiet” que dividiu tanto as opiniões.
Outros eu optei por não assistir pelo tamanho dos trabalhos (mais uma vez a
falta de tempo), é o caso de “O Idiota” (que pelo que soube também tem dividido
opiniões) e “Ópera dos Vivos”. Mas vou deixar de falar do que não vi para me
concentrar no que de fato consegui assistir.
Talvez eu seja um artista que esteja um pouco na contramão
da moda teatral. Eu particularmente gosto de ir ao teatro para que me contem
uma história, gosto, portanto, do teatro que preza a palavra bem falada e o
ator que sabe conduzir sua fala, seu corpo e suas emoções em prol dessa
exigência.
Dentro desse teatro que preza a palavra, gostei de dois
espetáculos que vieram do Cone Sul: “Villa + Discurso”, do chileno Grupo Teatro
Playa. Três belas atrizes se revezaram no palco do pequeno auditório da velha
Fafich (que nunca deveria ter deixado de ser Fafich por mais que as instalações
do campus na Pampulha sejam mais espaçosas). Um espetáculo simples e comovente.
Necessário. A discussão sobre o destino a ser dado a um antigo centro de
detenção, tortura e extermínio de opositores da época da sinistra ditadura de
Pinochet, serve como pano de fundo para falar da própria condição do Chile
pós-regime militar, dos dilemas da esquerda e da situação dos filhos da ditadura,
como se parte da sociedade chilena desejasse passar a limpo aspectos de seu
passado e seus laços com o presente representados pelo discurso de despedida da
presidente Michele Bachelet, cujo pai foi morto pela regime de Pinochet.
É difícil não pensar no Brasil. Primeiro até por certa
proximidade histórica entre a nossa presidente e a do Chile. E depois pelo tipo
de teatro que é feito no país desde os anos 80. Aqui, quando se pensa em fazer
algum espetáculo de cunho político cujo tema seja a ditadura ou suas sequelas, as pessoas não
dão a menor confiança, pois trata-se de um assunto “datado”. O teatro praticado
nos países vizinhos mostra que não. Que não se pode esquecer os abusos, as
violações, os massacres, que não se pode simplesmente deixar esse passado de
lado. Não é permitido esquecer e um bom caminho para o não esquecimento é
falarmos disso tudo.
Outro bom exemplo de simplicidade, interpretação limpa e
apreço à palavra é o ótimo “Tercer Cuerpo” dos argentinos do Grupo Timbre 4. Um
cenário simples, um escritório que ao mesmo tempo é um bar ou um consultório
médico onde cinco ótimos atores desfilam suas angústias, seus medos, sua
incrível solidão. Assim como “Los Hijos Se Han Dormido”, mais um exemplo de
interpretação realista contida, quase televisiva, que pode ser detestável para
alguns, mas que eu considero um primor pelo rigor do que é dito e pelo trabalho
sobre as emoções. Me deu vontade de ir para Buenos Aires estudar com eles.
Quem sabe eu não faça isso ano que vem?
“Abito”, da Fondazione Pontedera Teatro é outro belo e
instigante espetáculo. Um ambiente de sonho e alucinação no qual é mergulhado seu protagonista
que não consegue retornar. Belo e tocante. Mais um mergulho na solidão, como o
é, aliás, “Depois do Filme”, solo do diretor Adherbal Freire Filho. Um pouco
sujo na atuação, como se o ator buscasse o tempo todo em sua memória as
palavras que lhe faltam, mas muito interessante. Li recentemente ao excelente
“Memória de Elefante”, de António Lobo Antunes. A história me comoveu.
Histórias de solidões masculinas me tocam e a história recém lida me fez entrar
no discurso de Adherbal e do Pontedera e me sentir parte deles.
Por fim, “Theatre”, do grupo tcheco Farm in the Cave.
Teatralmente falando eu gostei mais do trabalho anterior mostrado na edição 2008
do FIT. Mas como não se encantar com
tamanha profusão física e vocal do excelente grupo do leste europeu. Muito mais
um espetáculo de dança que de teatro a bem da verdade e que em determinados momentos me pareceu ser uma demonstração de virtuosismos, mas assim mesmo encantador e como a dizer que
a dramaturgia contemporânea, para além da lógica das palavras (e eu que gosto
tanto delas) consegue muitas vezes aportar com propriedade nos corpos e vozes
de bons atores extraindo momentos sublimes.
Por questões de trabalho não consegui ver mais nada. Nem os “Sin,
título: técnica mista”, nem “Gólgota Pic Nic” para os quais inclusive eu tinha
ingresso. Mesmo tendo visto tão pouca coisa, penso que o FIT foi mais uma vez
muito produtivo e deixou, como sempre deixa, aquele seu tradicional gostinho de quero mais.