segunda-feira, 16 de maio de 2011

A natureza e seus heróis

Fui assistir ao filme Rio. É uma divertida animação, olhares americanos à parte (o diretor é brasileiro). Enquanto a sessão não começava fiquei flanando pelo shopping e deparei com uma loja de roupas cuja propaganda estampava os dizeres em inglês: Nature needs heroes.  Na foto um jovem se atirando em um precipício para salvar a mãe natureza de uma indesejável garrafa pet. Lembrei-me que já havia assistido ao comercial na TV. Comercial perfeito: jovem trajando jeans, natureza, texto em inglês... Sim, nossas lojas localizadas na zona sul assumiram a língua de Shakespeare como língua oficial. Não é raro nos depararmos com anúncios 40% OFF  (liquidação) ou SALE. Faz sentido. Vivemos num mundo colonizad... Perdão, globalizado e nossas classes A e B certamente se sentem bem mais a vontade numa língua diversa da falada pela gente diferenciada.
Mas voltemos ao anúncio original. O informe publicitário dizia em bom português que os produtos da coleção em questão eram feitos com materiais recicláveis. Nada mal para nossa consciência de consumistas inveterados. Fiquei pensando nos heróis de que a natureza precisa.
Reciclar é preciso. Não é novidade para ninguém que a humanidade produz milhões de toneladas de lixo por ano. Não sei a cifra certa, mas sei que é muito grande. É ponto pacífico que não existem recursos suficientes no planeta em que vivemos para esse consumo alucinado em que nos lançamos nos últimos cem anos. Dentro dessa ótica qualquer linha de produtos reciclados é muito bem vinda.
Do mesmo modo que produzimos tanto lixo lançamos à atmosfera uma quantidade de gases que, segundo insuspeitos ambientalistas, estaria provocando o chamado efeito estufa responsável pelo aquecimento global. Anos atrás, o democrata americano Al Gore, candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2000, produziu o premiado documentário “Uma Verdade Inconveniente” em que alerta sobre os efeitos do aquecimento global.
Tempos atrás também, camarada Danilovsky, colega dos tempos de jornalismo e doutorando em economia pela Unicamp, me dizia que todo esse papo de aquecimento global é balela e que, ao contrário, estaríamos vivendo o prenúncio de uma possível nova era glacial e não um aquecimento. Teoria conspiratória poderão pensar muitos. Mas o fato é há não muito tempo atrás, o climatologista Luiz Carlos Molion em entrevista ao programa Canal Livre da TV Bandeirantes disse coisas parecidas.
Sem nenhum embaraço o cientista afirmou que o CO2 não é o vilão que pensamos que ele seja. Pelo contrário, as plantas precisam do gás carbônico para viver e que a Terra passa por períodos de aquecimento e esfriamento regulares e se está em curso um processo de aquecimento do planeta ele não é necessariamente provocado pelo homem.  Se é verdade que a Terra está se aquecendo, que os pólos estão derretendo e que com a subida dos mares cidades como Nova York e Rio de Janeiro irão simplesmente desaparecer sob as águas, por que Al Gore teria comprado a peso de ouro uma mansão à beira mar na Califórnia? Provocou o cientista.
O discurso sobre o aquecimento global seria então uma tentativa das potências industriais em frear o crescimento do terceiro mundo. Faz sentido. Já ouvi vários analistas dizerem que nos últimos dez anos os americanos ficaram tão obcecados em combater o terrorismo que teriam se esquecido de observar o desenvolvimento industrial de alguns países, China à frente.  Lembremos também que os EUA não assinaram o protocolo de Kyoto.
Em determinado momento da entrevista, um jornalista perguntou sobre o gás CFC responsável pelo arrombamento da camada de ozônio. Luiz Carlos Molion disse que tal afirmativa não é verdadeira e que o problema do CFC era meramente econômico. Sua patente estava com os dias contatos. Iria cair em domínio público, ou seja, as empresas não teriam mais a necessidade de pagar royalties para utilizá-lo. Se existia alguma preocupação ambiental embutida na campanha contra o gás ela era certamente secundária.  Nunca podemos perder de vista que vivemos num sistema capitalista e que o coração desse sistema responde pelo nome de lucro.
E o lucro muda de face. Especiarias, pau-brasil, cana de açúcar, ouro, manufaturas, minerais, programas de computador ou pensamento. Tudo é lucro. A sobrevivência do capitalismo reside em boa medida na sua capacidade de reciclar o que considera lucro e a propaganda é alma de seu negócio.
Nature needs heroes. Sim, a natureza precisa de heróis e consumir produtos feitos com material reciclado talvez apazigúe um pouco a nossa consciência. Como naquela fabula do homem que toda a manhã ia para a praia salvar as estrelas do mar perdidas devolvendo-as para o oceano. Se cada um fizer a sua parte...
Mas é que sou um chato e fico pensando até que ponto essa conversa não seja ao final das contas mais um golpe publicitário. Como disse linhas atrás, o capitalismo se recicla a tal ponto que consegue fazer da própria contestação ao sistema um objeto de lucro (até o estilo de vida hippie se transformou em algo consumível). Talvez o verdadeiro herói desejado pela natureza não seja o que consome artigos feitos de material reciclado, mas simplesmente o que diz não ao próprio consumo. Tarefa deveras difícil.

domingo, 15 de maio de 2011

Bravíssimo!!!

Sou ator e diretor de teatro e me orgulho disso. Isso não é novidade. Quando pensei nesse blog alguns colegas me cobraram que fizesse crítica teatral. Não sei. Acho complicado estar nos palcos e ao mesmo tempo criticar meus colegas. Uns acham que não. Eu continuo achando que sim. A crítica de teatro em Belo Horizonte acabou dizem muitos. Um ou outro crítico que se dispõe a ver e a tentar estabelecer um diálogo efetivo com a obra de arte (que deveria ser a função primeira do verdadeiro crítico), no mais acabou... Bem, concordo, mas ainda não estou disposto a fazer crítica. O que quero  deixar aqui é um depoimento.
Sou ator e diretor de teatro e me orgulho disso. Me orgulho sobremaneira por que o meu primeiro professor de teatro foi o ator Arildo Barros do Grupo Galpão e é sobre esse grupo que eu quero falar.
Elogiar o Galpão é redundante. Todos fazem isso. O Galpão estabeleceu um padrão de qualidade difícil de ser acompanhado por quem faz teatro em Minas Gerais. Não quer dizer que todos seus espetáculos sejam maravilhosos. Exigir a perfeição em cada obra é tarefa difícil até para o mais genial dos mortais. Mas não podemos negar que todas as suas produções têm uma qualidade que os diferencia.
Tudo isso para dizer como me senti tocado pela mais recente produção do grupo, o espetáculo “Tio Vânia (aos que vierem depois de nós)”. Tenho uma relação pessoal com o texto. Em 2008 tentei montá-lo com um nascente grupo que havia me convidado. Não deu certo. Tchékhov não é um autor fácil de ser abordado. Exige um entendimento profundo de seu texto, tarefa difícil para artistas pouco maduros.  Mas o processo não deslanchou por outros motivos, por questões de relacionamento entre os integrantes do grupo (também uma questão de maturidade), penso, porém que foi melhor não tê-lo montado.
Diz a lenda que Tchékhov zombava do caráter dramático que atribuíam às suas peças. Diz-se que ele as considerava comédias e não dramas. Sim, Tio Vânia é uma comédia, mas uma comédia amarga. E o Galpão soube lê-la magistralmente sob esse prisma. Não há tom formal nos atores. Todos flanam por seus personagens dando-lhes leveza e ao mesmo tempo a necessária densidade. Rimos de suas vidas absurdas para nos emocionarmos na cena seguinte com seus dramas.
 Por exemplo, temos o médico Astrov que abre a peça com reflexões sobre sua pessoa nos remete a um tom mais sóbrio e melancólico. Eduardo Moreira soube, porém dar-lhe um colorido mais despojado. Seu Astrov ri de si mesmo, não fica encarcerado numa melancolia fácil. Um tom presente em várias personagens. O ator Paulo André, que interpreta Teléguine (a montagem optou por fundir dois personagens existentes no original de Tchékhov, a baba e Teléguine, em um só personagem), é capaz de mostrar todo o dilema de seu personagem, seu passado, presente e futuro, numa simples caminhada. Na belíssima cena em que atravessa o palco recolhendo as bacias deixadas ao longo da casa durante a tempestade. Ele não diz uma palavra. Limita-se a caminhar e recolher as bacias e sabemos de tudo o que se passa e se passou com ele e tudo nos toca.
Muitas personagens que eram enigmáticas para mim quando tentei montar o texto, me pareceram absolutamente mais claras assistindo a montagem do Galpão. Helena por exemplo, a bela e sedutora mulher de Serebriákov, musa que desperta o desejo de Tio Vânia e Astrov. Numa montagem carioca dos anos 80 tal papel foi desempenhado por Cristiane Torlone. Podemos imaginar a partir disso qual o perfil da personagem. Fernanda Viana, no entanto nos mostrou uma Helena absolutamente leve. Não é uma diva inalcançável, mas uma mulher/menina que brinca, que dança, que sonha, que ri, enfim. Sua beleza emana da simplicidade. Na cena em que Helena e Sônia conversam, a enteada lhe pergunta: - Helena, você é feliz? Ao que ela responde: - É claro... Que não! E sua negativa é acompanhada por um riso gostoso que nos faz pensar o quanto não fazemos um desnecessário drama com nossos próprios sentimentos.
Não vou falar de todos os atores. Direi que não há interpretações destoantes, algo que nos tire o fôlego, mas inegável que Paulo André e Mariana Muniz nos tocam com mais veemência. Mas isso não é absolutamente necessário. Os sete atores formam um grupo coeso que funciona para o espetáculo. 
Não poderia deixar de falar dos cenários de Márcio Medina, da luz de Pedro Pederneiras e trilha sonora e música de Dr Morris e lógico, do brilhante trabalho de direção de Yara de Novaes. Para mim na há surpresa, Yara, uma grande atriz está se transformando a cada dia em uma grande diretora. Já havia percebido isso em Noites Brancas e depois em O Caminho Para Meca. Seu Tio Vânia é, sem dúvida, a grande coroação desse novo caminho.
Há espetáculos que com cinco minutos já sabemos se serão bons ou ruins.
E há espetáculos que com cinco minutos já nos dão a sensação de estarmos presenciando o desenrolar de uma verdadeira obra prima. É o caso de Tio Vânia para mim. Ele nos toca não porque tem um texto maravilhoso, mas porque o conjunto de atores e encenação revela o que de maravilhoso existe no texto.

O Público

Título de um texto surrealista de Lorca que quase tivemos o desatino de montar quando alunos do CEFAR/Palácio das Artes lá pelo ano de 1994... Mas isso é uma outra história.
Mas o que gostaria de comentar aqui é a questão do público mesmo, do público de teatro essa esfinge difícil de decifrar. Desde que me entendo por ator ouço queixas e também me queixo de sua ausência nos espetáculos durante as temporadas normais ao longo do ano. A constatação mais óbvia é que o público de teatro de Belo Horizonte se concentra durante a Campanha de Popularização que, para muitos de seus críticos contribui para retirá-lo das salas de espetáculo durante o resto do ano, por que esse mesmo público estaria acostumado a só freqüentar o teatro nos meses de janeiro e fevereiro, etc.
Fico pensando até que ponto essa afirmação é válida. Certa vez ouvi Bosco Brasil (autor de Novas Diretrizes em Tempos de Paz) dizer em um debate na Sala João Ceschiatti que vivemos numa era de eventos. Os eventos sim atraem público. Vejam, por exemplo, o FIT. O Festival de Teatro de Belo Horizonte sempre foi um sucesso de público desde sua primeira edição. Mas será que podemos dizer que ele efetivamente forma público na cidade? Se ele forma então onde está esse público que não aparece durante o resto do ano?
 Ao compararmos um evento com outro temos que admitir que estamos falando de públicos diferentes. O público do Festival estaria em sintonia com determinado tipo de espetáculo mais investigativo ao passo que o público da Campanha seria eminentemente popular baseado no cardápio que é oferecido a ambos: no primeiro caso espetáculos que fazem pensar e no segundo comédias rasteiras que abusam do fator homossexual como elemento proporcionador do riso.
De fato, se olharmos a relação dos espetáculos apresentados na Campanha teremos pelo menos 60% de comédias que de quebra ocupam invariavelmente os dez primeiros lugares entre os espetáculos mais assistidos. Mas tal fato não é exclusividade de Belo Horizonte. O FRINGE, mostra paralela do prestigiado Festival de Teatro de Curitiba, também apresenta em sua grade de programação um grande número de peças do gênero. Na edição desse ano foram nada menos que 85 comédias vindas de todos os cantos do país.
Talvez o problema não seja propriamente a comédia em si (ou será que é?), mas o tipo de comédias que são apresentadas. De fato e falo isso por experiência, pois já fui membro da comissão do teatro adulto do prêmio Usiminas/Sinparc por dois anos consecutivos, existem muitas produções que são feitas a toque de caixa com o único objetivo de serem exibidas durante a Campanha, mas tais espetáculos não se tornaram sucessos de público. Alguns tiveram públicos razoáveis, mas sucessos...
Mas existem outros espetáculos que se apresentam na Campanha que não são comédias e dou dois exemplos que vivenciei esse ano: Fausto (s!) e Cuidado: Frágil! Ambos foram bem sucedidos. Obviamente dentro de uma outra realidade. Fausto(s!) teve praticamente todas as suas sessões esgotadas. Claro que foram apenas 6 funções dentro da Funarte que teve seu público limitado a 70 pessoas por sessão. Assim é fácil pensarão alguns. Mas na sala ao lado esteve em cartaz durante todo o mês de janeiro uma montagem paulistana de “Mão na Luva” que foi um fracasso de bilheteria, prova de que o público que freqüenta a Campanha também se interessa por outro tipo de espetáculo, mesmo que só uma fração desse público.
Voltando as comédias tendo a pensar que a grande implicância que muitos de seus críticos tem com o gênero dirigi-se ao riso em si, como se ele fosse algo imoral, feio ou politicamente incorreto. Não qualquer riso, claro. Mas o riso distribuído a farta nas comédias popularescas que são o grande motor da Campanha. O público, como dizem muitos, estaria sendo deseducado por esse tipo de espetáculo.  Talvez fosse necessário medir o impacto do teatro besteirol na formação de opinião do público médio de teatro e sua influência na educação, tarefa que deixo para sociólogos e educadores de plantão.
Me parece que as pessoas em geral não nascem indo ao teatro para ver o Espírito Baixou em Mim. Se há uma forma de comunicação que nos dias de hoje nos acompanha desde o mais tenro berço, ela é sem dúvida a televisão. Mas também apostar todas as fichas no papel educativo ou deseducativo da televisão seja um pouco injusto, pois estaríamos atribuindo um papel secundário aos pais e a escola. Talvez o problema do teatro seja realmente um problema de educação, mas da educação tomada no seu todo.
O cardápio oferecido ao público consumidor também influencia, lógico. Muitos objetarão que determinados artistas só montam comédias para ganhar dinheiro, só oferecem isso ao respeitável público. Sim e não. Esse texto não pretende ser uma defesa da Campanha de Popularização, deixo essa incumbência para o Sinparc, mas fico pensando até que ponto esse tipo de afirmação possa ser válido. Primeiro: qual o problema existente no fato de determinados artistas só se interessarem em montar comédias para ganhar dinheiro? Acaso não somos artistas de profissão e tentar tirar nosso sustento do que oferecemos ao público não é lícito? Segundo: acaso o público não tem liberdade de escolha ou devemos tomá-lo apenas como gado?
O que fazer, por exemplo, com um espetáculo como o Espírito Baixou em Mim? Trata-se de um fenômeno de público difícil de entender (e muito fácil de odiar). Sucesso absoluto na Campanha há pelo menos dez anos consecutivos vendendo quase sempre mais do dobro de ingressos que o segundo colocado. Conheço uma pessoa que o assiste todos os anos. A culpa então é do público, essa esfinge indecifrável?
Voltamos ao problema do começo desse texto. Por que o respeitável público não comparece com assiduidade durante todo o ano? Vários problemas são listados: baixa qualidade de muitas produções, falta de profissionalismo de muitos produtores, necessidade de repensar o posicionamento do produto teatro no mercado, salas de espetáculos precárias, violência urbana, concorrência de outros meios de entretenimento (cinema, televisão, internet), projetos bancados por grandes empresas que, por serem gratuitos, desestimulam a busca pelo ingresso pago, burocracia dos órgãos públicos, carência de verdadeiras políticas culturais, nossa natural inaptidão para ouvir críticas, enfim.
Mas temos o caso dos artistas que tem seu público cativo. Cito três exemplos: O Grupo Galpão, Carlos Nunes e a dupla Ílvio Amaral/Maurício Canguçu. Fui assistir ao espetáculo Tio Vânia no último dia 13 de maio e fiquei na lista de espera. O espetáculo está lotando todos os dias. Isso só para termos um exemplo. Existe um público fiel que acompanha esses artistas. Cabe a nós outros descobrirmos esse segredo e corrermos atrás.
Tenho para mim que o teatro deveria buscar um contato mais direto com o público, que ele se tornasse uma necessidade cultural da população (como por exemplo, o é a telenovela) e penso que uma solução para isso seria sair de nosso confortável limbo (penso que temos muitas dificuldades em enxergar para além dos limites da região centro - sul e das benesses proporcionadas pelas leis de incentivo) e procurasse ir onde o povo está.
Mas convém nesse caso ouvir primeiro o próprio público.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O terrorista, o santo, o príncipe e sua esposa

Parece título de filme, mas não é. No mundo de hoje muita coisa aparenta ser o que não é, como numa antiga propaganda de xampu dos anos 80. Um mundo de simulacros. Yes, we can. A imprensa ávida por notícias que possa requentar por toda uma semana. O mundo precisa de novidades, mas o que há de novo sob o sol?
Primeira parada: o casamento do príncipe. No começo dos anos 80 todas as TVs do mundo pararam para transmitir o casamento do príncipe Charles com Lady Diana Spencer.  Na época soou como novidade. Tudo era um pouco novo naquele Brasil da abertura, até um casamento real transmitido ao vivo e a cores. Mas os tempos eram outros. O príncipe era o herdeiro do trono inglês e sua noiva possuía um carisma tão grande que logo, logo se transformou na principal estrela da monarquia britânica atraindo a simpatia de todos os que fazem o carnaval por lá: cantores, mulheres e bichas.  Tinha início a “Idade Mídia” (início para nós do tercer mundo), do culto globalizado das celebridades. Mas aquela bobagem toda era novidade para os tupiniquins. O casamento do príncipe William com Lady Kate quase trinta anos depois parece mais um arremedo, um remake de antigo sucesso de qualidade duvidosa, não obstante os esforços de toda a mídia em transformá-lo na grande notícia de semanas atrás com direito a transmissão direta desde a madrugada, comentaristas e uma pinta de ufanismo verde amarelo por saber que um dos vestidos do noivado da nova princesa foi confeccionado por um estilista do Brasil-sil-sil.
Um conto de fadas dirão muitos que se dispuseram a assistir toda essa papagaiada. De fato, parece que nessa nova fase da Idade Mídia todos temos direito a nossa dose diária de “disneyficação” da realidade (para usar uma expressão do cineasta alemão Werner Herzog na entrevista concedida à revista CULT, número 156). Estamos no limiar da terceira infância. Gostamos de ser tratados como crianças e todos temos direito a sonhar com um casamento de princesa, sapatinhos de cristal e a ouvir observações inteligentes como a “indignação” de certa comentarista com o fato de a família real brasileira (?) não ter sido convidada...  No conto inicial a princesa pop star morreu e o príncipe se casou com a bruxa. Resta-nos esperar pelo que vai acontecer com o atual. Pelo menos sabemos que eles agora finalmente saíram em lua de mel e essa notícia mudou totalmente a minha vida.
Compreensível que tal efeméride tenha importância no seu país de origem, a Inglaterra. País que, apesar de ainda se tratar de uma potência respeitável, não tem mais um décimo da importância que possuía em seus momentos de glória e tenha se transformado na província mais rica dos EUA. Incompreensível é a mídia nativa ecoar tal importância a ponto do diário belorizontino HOJE EM DIA tê-lo eleito como matéria de capa de seu caderno de cultura... É a imbecilidade ao alcance de todos.
Segunda parada: Praça São Pedro em Roma. De pop star para pop star aportamos na beatificação relâmpago de João Paulo II, um dos papas mais populares e mais marqueteiros da história. Lembro também que, no começo dos anos 80, ainda embriagados pelos rasgos de liberdade proporcionados pela revogação do AI-5 e pelo fim da Era Geisel, de sua primeira visita ao lado de baixo do equador. João Paulo II tinha um carisma inacreditável e sabia tirar proveito disso. Ele também foi um dos ícones de uma era (os anos 80 e 90) e viajou pelo mundo todo com sua mensagem de fé, para usar uma expressão tão cara aos católicos. Mas carisma à parte é inegável o ranço conservador de seu pontificado, o que ele representou de retrocesso para uma Igreja que se pretendia outra após o Concílio Vaticano II. Uma Igreja que se esforçava em fazer uma virada em favor dos menos favorecidos e que, com a eleição do papa polonês, voltou-se novamente para a direita e sob o argumento de combate ao comunismo se aliou ao que existia de pior no mundo daquele tempo: Reagan e Thatcher, numa verdadeira Internacional Conservadora que engendrou o neoliberalismo de tão triste lembrança.
Não vou me estender em João Paulo II. A propósito o jornalista Antônio Luiz M.C. Costa assina uma brilhante matéria sobre o assunto na edição 644 de Carta Capital, onde ilustra várias mazelas políticas que marcaram o pontificado do quase novo santo. Teologia do espetáculo. Um ótimo conceito para uma Igreja conspurcada por tantos crimes que ela insiste em não admitir, pois errados são sempre os outros. Se os evangélicos tem seus exorcismos e uma crença inabalável de que sua fé no sucesso remove montanhas, os católicos tem seus santos canonizados no varejo. Ambos, no entanto atendem às demandas de um mercado da fé onde o deus é outro e o que importa ao final das contas é sempre o marketing.
Terceira parada: Yes, we can. O slogan ecoou pelo mundo todo como uma brisa de esperança. Deu alento para a grande potência mergulhada numa crise econômica e moral sem precedentes. Elegeu seu primeiro presidente negro e de sobra, antes mesmo que ele mostrasse a que veio, lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz (!). Com a popularidade em baixa, não conseguindo se contrapor a uma direita barulhenta e há pouco mais de um ano das eleições eis que o peacemaker bom moço caiu nos braços de seus mais ferrenhos adversários ao encontrar e matar o maior terrorista de todos os tempos fazendo justiça pela morte das quase três mil pessoas nos atentados de 11 de setembro de 2001. Bush Júnior não poderia ter feito melhor. O inimigo número 1 da América foi finalmente justiçado...
Ora o inimigo número 1 da América é sua própria política externa. Bin Laden foi um terrorista forjado nos porões da CIA para combater o inimigo soviético no Afeganistão, assim como Saddam Hussein havia sido mantido pelos EUA durante toda a década de 80 para combater o Irã. A mesma política externa que sempre sustentou a maior parte dos ditadores de direita no terceiro mundo.
A morte de Bin Laden veio acompanhada de todos os ingredientes que sempre nortearam a política externa do Tio Sam: tortura, desrespeito pela soberania de outro país, intransparência e mentiras. Muitos americanos comemoram, mas não perceberam o tiro no pé que lhes deu seu presidente. A vitória dos piores instintos. Ésquilo já havia nos mostrado na Oréstia a transformação da noção de vingança contida no antigo direito tribal no conceito de Justiça que é próprio da pólis. E isso em uma trilogia que tem mais de 2500 de idade. Obama nos fez regressar à idade do bronze, mas os falcões adoraram, a mídia babaca adorou, Hollywood adorou. Espere a versão cinematográfica estrelada por Bruce Willis. A disneyficação está completa. Uma monarquia decadente precisa do casamento de um príncipe, a uma igreja em descrédito convém um novo santo popular e um presidente em declínio precisa assumir as feições de seus adversários para salvar sua administração.
É isso aí.
Sempre há uma luz
Não sou fã do STF. Reconheço que admiro alguns de seus próceres como o ministro Joaquim Barbosa. Fiquei indignado com a votação da ficha limpa. Mas o reconhecimento legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo foi show de bola. Um placar elástico: 10x0 me fez acreditar que nem tudo anda perdido. O Judiciário fez o que o Legislativo deveria ter feito, mas que por idiossincrasias de nossa terra natal se obstina em não fazer. Ganharam os homoafetivos que podem esperar a partir de agora ter uma vida mais normal dentro dos parâmetros de normalidade de nossa sociedade. Mas quem mais ganhou com isso foi a sociedade brasileira que afirma assim seu estatuto de estado laico não cedendo às pressões do lobby de certos grupos religiosos. Como muitos devem saber, o “fundamentalismo” sempre precisa de um demônio para chamar de seu e fiéis a esse preceito, muitos “religiosos” tem nos homossexuais seus adversários, a Geni que é boa de xingar e de cuspir. Como se a maneira de amar de alguns pudesse abalar os alicerces de uma crença que, pelo menos em princípio e para ser fiel às suas origens, deveria pregar como fundamental o amor ao próximo.
Como diz o poeta Beto Guedes no clássico “Amor de Índio”: Sim, todo amor é sagrado e remove as montanhas...”
Justiça seja feita há muitos setores da Igreja Progressista que se posicionam ao lado dos homoafetivos e, coisa de dois anos atrás, a Igreja Luterana da Suécia (majoritária no país) aprovou o casamento entre iguais.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Notícias de Uberlândia 2

Foi uma tarde/noite bem movimentada a de ontem. Na parte da tarde, no campus Santa Mônica da UFU, tivemos as conferências de abertura do II Seminário Nacional de Pesquisa em Teatro. Os palestrantes: a atriz peruana Teresa Ralli (de Antígona que havíamos visto na noite anterior) representou o diretor Miguel  Rubio Zapata que havia sido escalado para falar, mas não compareceu por motivo de doença e o diretor espanhol Mariano Llorente Frusá do grupo Micomicon que havia se apresentado na segunda-feira (espetáculo que não tivemos a oportunidade de assistir). As palestras tiveram como tema o percurso histórico-criativo dos grupos representados pelos artistas palestrantes: Yuyachkani do Peru e Micomicon da Espanha. Interessante que apesar de pertencerem a realidades histórico-sociais tão distintas (além do fato de te terem sido criados em épocas diferentes já que o grupo peruano surgiu em 1971 e o espanhol em 1991), a motivação de transformação política pela arte anima a ambos.
 Houve também o lançamento do livro “Klauss Vianna, do coreógrafo ao diretor”, de Joana Ribeiro, bem como da revista bahiana “Boca de Cena” e dos quatro primeiros volumes da coleção “Dramaturgia Latino-Americana”. A revista é baratinha, apenas R$5,00, mas os livros oscilam entre R$15,00 (o mais barato) a R$30,00. Já o livro sobre Klauss Vianna tem um preço de capa de R$51,00, mas durante o Seminário será vendido a R$25,00 para estudantes. Preços um pouco salgados tendo-se em vista o público consumidor preferencial de tais obras: artistas e estudantes de artes.
Fomos brindados na sequência com uma demonstração de trabalho da atriz peruana Teresa Ralli: “Desconstruindo Antígona”. Tanto o espetáculo quanto a demonstração de trabalho já haviam sido mostrados na edição de abril/maio do ECUM em Belo Horizonte. O certo é que “Desconstruindo Antígona” é um outro espetáculo. É claro que toda demonstração de trabalho tem um caráter eminentemente didático, mas acompanhar o que nos narrou a atriz (uma grande atriz) sobre seu percurso criativo, a transformação de suas experimentações em cena, o entroncamento de suas memórias de atriz com a memória do texto grego, do diretor, do dramaturgo, etc, foi muito mais que interessante: foi um bálsamo para qualquer artista que milita no teatro (sim, nas condições em que trabalhamos, o que fazemos é mesmo militar com teatro) Um percurso para emocionar qualquer artista.
À noite tivemos a apresentação do grupo colombiano Varasanta que nos trouxe “Fragmentos de Libertad -200 años”, dirigido por Fernando Montes (que também esteve na última edição do ECUM ministrando oficina).
Ao contrário de Antígona que primava pela ausência de cenários e outros objetos cênicos e dessa “pobreza” retirava toda sua força dramática, “Fragmentos” é mais rico de elementos (figurinos e adereços principalmente), mas alcança resultados bem mais modestos não obstante a adesão quase total do público presente. A montagem pretende fazer um levantamento de 200 anos da história colombiana vista como um espelho (nem tanto espelho assim) da história de outros países da América do Sul, desde a época pré-colombiana, a chegada do invasor espanhol – o que nos remete ao livro “Nascimentos” de Eduardo Galeano, até a independência do país, a separação do Panamá, ao domínio norte-americano e às últimas eleições presidenciais do país. Um espetáculo que em princípio é construído sobre cantos e danças e que se perde ao longo da narrativa numa selva de signos que talvez fossem melhor assimilados pelo público colombiano. Há um intermezzo interativo com a platéia que é divertido e funciona como animação de auditório ou para integrar um público estrangeiro (no caso nós brasileiros) a uma temática carregada de cor local (colombiana). Uma tática que pode funcionar em espetáculos de rua que tenham esse cunho político-histórico-social, mas que não acrescenta muito à narrativa como um todo. Ainda assim foi uma boa experiência.

Notas:
O campus da UFU é interessante. Uma universidade moderna cujo estado de conservação é melhor que os prédios da UFMG (principalmente o da FAFICH que apesar de ter vinte e poucos anos está um lixo), mas também não chega a ser um primor.
A passagem de ônibus aqui em Uberlândia é mais cara em relação a BH: R$2,40. Em compensação as ruas da cidade tem um asfalto que nos deixa vermelhos de vergonha.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Notícias de Uberlândia 1


Estou em Uberlândia para participar do II Seminário Nacional de Pesquisa em Teatro dentro da programação da 3ª edição do Ruínas Circulares – Festival Latino Americano de Teatro. Na próxima sexta-feira, 06 de maio apresentarei uma comunicação intitulada: Escritas contemporâneas: a dramaturgia do diretor. Uma versão modificada das conclusões de minha tese de doutoramento que defenderei em junho. Posteriormente divulgarei a comunicação por inteiro nesse blog.
Dentro da programação do Festival tive a oportunidade de conferir ontem ao belíssimo espetáculo “Antígona”, produção do renomado grupo peruano Yuyachkani que, salvo engano, está fazendo 40 anos de atividades.
O espetáculo foi apresentado recentemente no ECUM como parte das homenagens ao grupo de Lima.
Ao contrário do alguns poderão pensar não se trata da montagem do clássico de Sófocles, mas de uma versão livre de José Watanabe.
O que é necessário para se fazer um grande espetáculo? Não estou falando de uma superprodução no estilo Broadway (gênero que parece fascinar cada dia mais não só alguns realizadores teatrais locais como boa parcela do público que consome teatro. A título de ilustração: aqui em Uberlândia há também empresas especializadas em organizar pacotes turísticos culturais para São Paulo para assistir aos musicais “made in Broadway” em cartaz). Para realizar grandes espetáculos assim é necessário, sobretudo dinheiro.
Estou falando de um grande espetáculo que nos emocione pela carga de seu texto e, sobretudo pelo trabalho de seus atores. Com relação ao texto, talvez seja um pouco difícil de imaginar por se tratar de uma obra apresentada em espanhol que, apesar da enorme familiaridade com nossa língua, não deixa de apresentar certas dificuldades de entendimento que talvez cansem um pouco o público mais ávido por compreensão.
Barreiras do texto a parte, “Antígona” do Yuyachkani é um grande espetáculo pela força de sua atriz protagonista, Teresa Ralli que se desdobra em cena fazendo todas as personagens da tragédia. Sim, trata-se de um monólogo. Um monólogo tão vigoroso quanto os que tivemos a oportunidade de ver em tempos recentes como “A Poltrona Escura” com Cacá Carvalho, “Fragmentos de Vidas Divididas”, com Norberto Presta ou “A Descoberta da América”, com Júlio Handrião.
O que se vê quando se chega ao teatro é apenas uma cadeira jogada sobre o chão e dois focos de luz. O palco totalmente aberto sem cenários ou coxias. Teresa Ralli consegue construir tudo manipulando apenas a cadeira e uma peça de seu figurino, uma capa que a auxilia nas transformações. Há também uma pequena caixa de madeira que ela só utiliza ao final do espetáculo numa cena de rara beleza. Tudo o mais é construído pelo corpo e pela voz da atriz que os manipula com maestria, num exemplo brilhante de como transformar as partituras de ações físico-vocais em movimentos graciosos e carregados de teatral dramaticidade. Tereza é Antígona, mas também é Creonte, Tirésias, um homem do povo, Hémon e a narradora do espetáculo que ao final se revela ser Ismênia, a irmã que não aceitou acompanhar Antígona em seu caminho de perdição e liberdade. Tereza Ralli consegue mesclar todo o peso da tragédia grega à leveza do balé. Sua Antígona é possuída por um frescor juvenil e doce tanto quanto seu Creonte é tomado pela tormenta do poder tirânico que representa.
Há também uma ótima trilha musical que pontua corretamente o espetáculo e um brilhante desenho de luz que transforma o palco vazio do Teatro Rondon Pacheco em qualquer lugar para onde sua fantasia o carregue, seja para o palácio real de Tebas, ou para a gruta onde Antígona é sepultada viva.
O Yuyachkani nos ministrou uma verdadeira aula de bom teatro contemporâneo: como revigorar os grandes clássicos e torná-los vivos para as audiências de hoje.
Por falar no Yuyachkani fiquei sabendo por intermédio do dramaturgo peruano radicado em São Paulo, José Manuel Lázaro (que conheci no Workshop com Eugênio Barba ano passado em Brasília) que o grupo fará um encontro entre os dias 25 de julho e 01 de agosto em Lima para mostrar todos os trabalhados desenvolvidos nos últimos dez anos. Uma boa oportunidade para um verdadeiro turismo cultural internacional.
Notas:
Tanto o Festival Ruínas Circulares quanto o Seminário Nacional de Pesquisa em Teatro são realizados pela Universidade Federal de Uberlândia. É natural que grande parte do público que compareceu ao Teatro Rondon Pacheco na noite de ontem fosse formado por alunos do curso superior de teatro. E alunos de teatro são alunos de teatro em qualquer lugar do mundo (penso eu). São performáticos, afetados e parecem querer chocar aos pobres mortais com visuais e comportamentos alternativos...
As cidades parecem sempre se referir umas as outras. Quando me mudei para o bairro onde moro atualmente em Belo Horizonte, tive a sensação de que a Praça José Cavalini tinha algo de carioca, algo que me remetesse a determinados quarteirões longe do mar de algum bairro como Glória ou Botafogo. Uberlândia me parece às vezes particularmente paulista. Andando por uma das ruas de seu centro me lembrei imediatamente da Rua Augusta de São Paulo com sua inclinação, suas lojas e alguns pequenos prédios. Tomando um refresco em um café da Praça Tubal Vilela, olhando para as árvores que dão para um estacionamento, me lembrei de imediato das árvores e do estacionamento da Igreja São José de Belo Horizonte.