terça-feira, 29 de maio de 2018

Nos porões da loucura


O teatro é a única forma artística que demanda a presença imediata do espectador para que possa acontecer. Pode ser uma obviedade dizer isso, mas outras formas artísticas, como a fotografia, por exemplo, ou a pintura ou a literatura, não necessitam da presença física do seu autor junto ao espectador/leitor para que possa acontecer. A fotografia, o quadro, o livro, estão lá já colocados para minha fruição. O teatro não. Ele precisa da presença física de pelo menos dois (um ator e um espectador) para que possa acontecer. Nesse aspecto, o teatro talvez seja a mais comunicativa das artes ou, em outros termos, a que tem a possibilidade de se comunicar de forma mais autêntica e imediata com o espectador. Uma coisa é a fruição de uma bela exposição que mistura fotografia e pintura fazendo uma leitura plástica do livro de Hiram Firmino sobre o campo de concentração de Barbacena, outra é a possibilitada pelo espetáculo teatral dirigido por Luiz Paixão que encerrou temporada no último dia 26. Devido a paralisação dos caminhoneiros o espetáculo que iria acontecer no domingo foi cancelado.

Falei de toda essa questão da comunicação porque fiquei impressionado com a força comunicacional do espetáculo. Baseado no livro homônimo de Hiram Firmino, cujo trabalho de reportagem lhe valeu o Premio Esso de Jornalismo em 1980, o livro fala da “vida” (se é que podemos chamar aquilo de vida) dos internos da colônia psiquiátrica de Barbacena. O teatro reportagem ou teatro documentário é um tipo de espetáculo que já esteve na moda em outros tempos, mas que voltou a ser pensado e realizado nos dias atuais. Temos bons exemplos em espetáculos como Luiz Antônio/Gabriela que se apresentou em BH há uns dois ou três anos, ou no recente Gisberta que esteve em cartaz no CCBB em janeiro deste ano (Causando uma estranha e inusitada polêmica). Na cena local Marilyn Monroe.doc também é um espetáculo desse tipo. Espetáculos que procuram mostrar a vida de determinados personagens conhecidos nos mostrando determinados fatos em ordem mais ou menos cronológica. Nos Porões da Loucura parte do mesmo princípio, com a diferença que aqui não temos uma personagem em especial, mas todo um coletivo. Uma personagem social se assim podemos dizer.

 O que me chamou a atenção de Nos Porões da Loucura foi a coerência, a unidade do espetáculo. A adaptação, também de autoria de Luiz Paixão mescla em boa medida os relatos dos detentos, com a dramatização de outras situações como, por exemplo, a convivência de funcionários com os internos, os “motivos” que levaram algumas famílias a despachar seus indesejáveis filhos para aquele lugar ou mesmo a conversa cínica entre aproveitadores que negociavam cadáveres e ossos dos mortos naquele campo de concentração mantido pelo estado. A direção não cria malabarismos optando por uma encenação simples. Os cenários e a luz criam uma atmosfera de opressão, mas não tão sufocante como, por exemplo, a cenografia de Blackbird, espetáculo que esteve recentemente em cartaz no CCBB, o que é um alívio dado o peso do que já é dito em cena. Há também uma ênfase no trabalho dos atores, aliás, um dos pontos altos de Nos Porões da Loucura. Um elenco muito coeso com atuações muito consistentes, tanto na construção corporal quanto na propriedade como dizem o texto ou cantam. Há muito tempo que eu não via um elenco tão positivamente homogêneo na cena local. 

Não há arroubos. Todos parecem tocar a mesma triste canção e ela nos dói.  Uma colega que estava comigo se emocionou. Duas outras amigas não se emocionaram assim como eu. Ficamos tristes, mas não nos emocionamos. E para mim isso foi, brechtianamente falando, um acerto da direção. Promover as necessárias quebras no momento em que a empatia entre ator e espectador está prestes a desaguar nos sentimentos de piedade e terror, como queria Aristóteles para a tragédia. O teatro deve divertir, Brecht também o achava. E é lógico que a empatia é algo que deva ser buscado, mas para que haja pensamento, reflexão, faz-se necessário o corte. Ponto para o espetáculo.


Fui ver o Boca de Ouro do Grupo Oficina Multimédia com direção de Ione de Medeiros. Complicado para mim falar do espetáculo já que também estou com uma versão de Boca de Ouro que estrei em novembro do ano passado. Espetáculo que produzi com meus próprios recursos, sem nenhum incentivo ou apoio governamental e que grande parte da comunidade artística da cidade deu pouca ou nenhuma bola (a dita classe crítica e/ou jornalística idem). Enfim. Mas vou falar nem que seja um pouquinho. Gostei muito do espetáculo da Multimédia. Ione de Medeiros num grande momento (o outro grande momento dela para mim foi o magnífico A Casa de Bernarda Alba). Um espetáculo divertido, criativo, que abordou um outro lado da obra de Nelson Rodrigues. No elenco, o destaque para mim fica por conta de Jonathan Horta. Impagável nas várias personagens que faz, especialmente no papel de Guigui. 

  

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Um Pouco de Ar, Por Favor


Um pouco de ar, por favor. Sim, estamos precisando de um pouco de ar. Aliás, de um pouco de ar não, de muito ar, muito ar mesmo. Ar fresco, ar renovado, ar puro. O mundo cheira mal, há um cano de esgoto aberto na minha sala (é a TV), outro no meu quarto (a internet?) e tudo cheira mal, muito mal mesmo. A saída? Cadê a saída? E se a saída é invisível que venha então um pouco de ar por favor. O ar aqui dentro está pesado? Que opressão é essa que eu sinto? Essa opressão me liga a um homem do passado, dos anos 30, por exemplo? Um funcionário de banco sem muitas ambições? Ou uma mulher que passou a vida inteira atrás de um balcão de farmácia, que foi apaixonada pelo patrão, que poderia ter se casado com ele, mas...E que trinta anos depois está prestes a ser demitida pelo filho dele, o filho que poderia ser o filho dela se aquela promessa de amor se consumisse. 

A falta de ar é eterna, ela atravessa o tempo, as gerações. Ela pode ganhar novos contornos, novos limites, como a da mulher que se perdeu da amiga. Mas continua a mesma. Ela é inerente a condição humana. Se para Schopenhauer, o homem é um ser de desejo e o desejo nos conduz a infelicidade. As personagens de  Um pouco de ar, por favor parecem sofrer exatamente do contrário. Não é o desejo que as conduz à infelicidade, mas a falta dele ou a falta de forças para lutar pelo seu desejo. Daí a falta de ar advir talvez muito mais de uma indecisão, de uma fraqueza da existência do que de uma luta desenfreada pela felicidade.

Um pouco de ar, por favor é o mais recente espetáculo da Cia Pierrot Lunar que está completando 25 anos de estrada. Um caminho pontuado por espetáculos que sempre tentaram unir espontaneidade, musicalidade e pesquisa, sem medo de errar. Os conheci no CEFAR quando estudamos teatro, fui calouro da turma deles e aquela turma sempre despertou em mim uma “inveja” positiva. Era uma turma muito alegre e musical. E talentosa também. Uma turma com cara de turma, com união de turma. O exato oposto da minha turma. Muita gente boa saiu dali. Depois da formatura quase toda a turma permaneceu junta e montaram um belo espetáculo que ocupou a antiga sede da Escola Guignard (hoje uma das galerias do Palácio das Artes), Alice, com direção de Fernando Mencarelli. Da turma original, no entanto, ficaram apenas Leo Quintão e Neise Neves que comandam a Cia e o espaço que mantém na Floresta. A eles juntou-se Jussara Fernandino que também havia sido da turma original.

Na linha de pesquisa desenvolvida pela Cia, Um pouco de ar, por favor talvez inaugure um novo momento da companhia. Um momento de reflexão sobre o que o grupo fez no passado e projete para o futuro.  O texto é assinado por Luiz Alberto Abreu (a definir o que significa provocador dramatúrgico, incumbência que coube a Vinícius Souza) e coloca em cena três atores que discutem o presente, o próprio ofício de artista. Estamos na era da confissão.  Artistas falam de suas vidas no palco, usam a experiência de suas trajetórias para discutir o sentido da profissão, o sentido próprio da vida e do mundo. O mais recente espetáculo de Denise Stoklos faz o mesmo. As vezes essa “confissão” do artista aponta para coisas interessantes. É preciso ser autocrítico e repensar sua própria trajetória como parte de uma discussão sobre como mudar o mundo. Às vezes é puro narcisismo. Em Um pouco de ar, por favor não chega a ser uma autocrítica rumo a uma mudança de postura frente ao mundo, mas tampouco é exercício narcisista. Em todo caso, os atores tiram bom proveito do que lhes é proposto. 

O espetáculo é engraçado, ágil e tem belos momentos. Há duas linhas narrativas que se entrecruzam. A primeira é a dos atores que falam de si e a segunda é a das personagens: um bancário dos anos 30, uma mulher nos anos 80 e outra mulher nos tempos atuais. Personagens que buscam um sentido para sua existência, que se esbarram num presente imaginário e que pouco a pouco se descobrem personagens no melhor estilo pirandelliano. A direção é de Chico Pelúcio, um dos integrantes do Grupo Galpão, mas que já dirigiu espetáculos de outros grupos, como o delicioso Opereta, o homem que falava português, com o qual ganhou os prêmios SESC/Sated e Sinparc de melhor direção em 1999.

Luiz Alberto Abreu também dispensa apresentações. É um dos mais ativos dramaturgos brasileiros e coordenou, no princípio dos anos 2000 o oficinão de dramaturgia. É dele a dramaturgia final de Caixa Postal 1500, segunda montagem do Oficinão do Galpão (saudades do velho Oficinão). Talvez o tom excessivamente leve da abordagem dramatúrgica ou da direção, faz com que o espetáculo fique um pouco na superfície sem se aprofundar muito nos dramas que propõe (afinal temos que pelo menos tentar dar uma resposta a esse anseio por mais ar, por favor), optando mais por um jogo cênico que privilegia o cômico das situações, cômico que, como já disse, os atores sabem tirar proveito.

O espetáculo estreou e cumpriu sua temporada inicial no teatro 2 do CCBB. Vamos esperar para vê-lo agora num espaço bem mais intimista que é o que a trupe mantém na Floresta.

Também esteve em cartaz no CCBB o espetáculo Que venha a primavera – Páginas tchecovianas. Havia um clima de expectativa quanto a este espetáculo. Direção de Hélio Zolini que também assina a adaptação e a dramaturgia e a atuação de Mário César Camargo ao lado das atrizes Juliana Martins e Raquel Albergaria, que retorna aos palcos depois de muito tempo afastada. Tchecov é daqueles autores cujo trato é difícil e que exige muita compreensão dos atores que se aventuram em interpretá-lo. Um autor em cujas obras praticamente nada acontece. A ação é muito mais interior, é mais um estado de alma. Tchecov é um autor do desencanto, o mundo do triunfo capitalista do final do século XIX e começo do século XX, encontra nele um crítico mordaz. Não há grandeza humana, não há vitória sobre a natureza. O que há é tristeza e melancolia. O humor de seu texto parece ser um presságio sobre o que estava por vir pouco tempo depois de sua morte: a grande guerra, a revolução, a ditadura, o desespero. (Estamos precisando de um Tchecov contemporâneo ou será que ele já surgiu e ainda não percebemos). 

E a montagem capta exatamente esse humor tchecoviano na cena que abre o espetáculo. Os três atores estão dispostos em três círculos distintos dentro de um outro círculo, em situações que evocam um clima de guerra e abandono. Uma cena que conjuga dança e teatro, de uma vivacidade que impressiona e incomoda. O problema é que depois de um prólogo brilhante, entramos em dois outros níveis narrativos que parecem não se comunicar entre si e nem com o prólogo nos dando a impressão de serem três espetáculos distintos. Na segunda parte do espetáculo eles são atores se preparando para entrar em cena e na terceira há a apresentação do conto “A Corista”. Há uma diferença de abordagem e uma diferença de energia. A cena dos atores nos bastidores me pareceu ser apenas uma transição para a apresentação do conto “A Corista” e os atores me deram a impressão de não dar muita atenção a ela. 

A cena da corista nos apresenta uma dramaturgia mais coesa o que é um ponto positivo. O problema da cena é que ela tem um ritmo bem mais lento (destoando das outras duas cenas) se prolongando mais que o necessário. Como se a direção tentasse entrar no universo tchecoviano por uma via mais contemplativa, fazendo do ritmo mais lento um retrato dos estados de alma das personagens. Não deixa de ser uma proposta interessante, mas a execução acabou nos passando a sensação de que o espetáculo tinha ali uma grande barriga (para usar o jargão teatral) o que acabou cansando um pouco a assistência. Do trio de atuação Juliana Martins é a atriz que melhor tira proveito das situações propostas nos brindando com uma bela composição de sua corista. O espetáculo tem também uma bela luz e uma trilha musical bem interessante.  Uma boa proposta sem dúvida, mas que talvez precise de um pouco mais de tempo para amadurecer.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Durrenmatt não acredita na humanidade


Uma cidade arruinada economicamente. As poucas fábricas que existiam fecharam, o comércio regrediu, o desemprego grassa. Não, não é uma fábula sobre o Brasil pós golpe.  Essa é a situação de Gullen, cidadezinha perdida no interior da Suíça. Outrora três ou quatro expressos paravam em sua estação antes de seguirem caminho para as principais cidades européias. Hoje os trens passam direto e só servem para marcar a passagem do tempo. Gullen vai de mal a pior a não ser que... A não ser que uma ilustre filha da cidade, Claire Waescher, ou melhor, Claire Zahanassian, multimilionária dona da Armenian Oil salve a cidade da bancarrota total. Claire saiu de Gullen aos dezessete anos. Trinta anos depois retorna coberta de ouro para orgulho de uma cidade em decadência. O trem que não parava mais por ali faz uma parada obrigatória e a grande milionária desce acompanhada por seu séquito. A cidade natal a recebe com banda de música, com faixas e cartazes. Todos os notáveis estão presentes: o prefeito, o padre, o professor, o médico e o ex-namorado. Então, no banquete que é oferecido em sua homenagem, Claire Zahanassian anuncia que doará um bilhão para a cidade sendo metade desse valor para os habitantes de Gullen. Mas há uma condição. Ela quer a morte de Alfred Schill, seu ex-namorado, pivô dos infortúnios que a lançaram no mundo, que a transformaram em prostituta (foi como prostituta que ela conheceu o velho Zahanassian que lhe transmitiu a fortuna). Num primeiro momento os grandes da cidade recuam horrorizados, mas ao longo do tempo todos cedem à tentação do dinheiro que virá e a cidade entra num vórtice de consumismo que atinge a todos, inclusive aos familiares de Alfred Schill e o resultado.... Bem, não é preciso dizer, é?

Esse é o enredo básico de “A Visita da Velha Senhora”, texto escrito pelo dramaturgo suíço Friedrich Durrenmatt (1921-1990) em 1956. E apesar da distância no tempo (62 anos) como permanece atual. O que o torna um clássico. Durrenmatt iniciou sua carreira teatral nos anos 40 escrevendo sketches para shows em cabarés e para o radioteatro que na época era muito respeitado na Suíça. Sua primeira peça, “Está Escrito”, obra de 1947, não obteve sucesso. Ele escreveria outros textos com maior ou menor impacto até a “A Visita da Velha Senhora” que é sua obra capital. O final dos anos 40 e os anos 50 foram marcados na Europa pelo aparecimento do teatro do absurdo (ou teatro existencialista como preferem alguns), cujos maiores expoentes foram Eugene Ionesco e Samuel Beckett, e pela descoberta do teatro de Brecht (cuja excursão à França no começo dos anos 50 provocou um verdadeiro terremoto). Mas onde situar Durrenmatt (se é que ele tem que ser situado em algum lugar)? Uma rápida olhada por sua obra nos levaria a crer que ele seria um discípulo de Brecht. Sim, sua obra revela várias influências da dramaturgia brechtiana, mas ao contrário do bardo alemão, Durrenmatt não é otimista. O teatro não serve aqui para uma transformação da consciência rumo à luta por um mundo mais justo. O que sobra ao fim da peça é um gosto amargo na boca. O que Durrenmatt faz é nos mostrar num triste espelho o horror de nossa solidão, de nossa condição de filhos de Caim. A Vida é dura, é como uma corda bamba estendida sobre um abismo e não há rede de segurança lá abaixo. Curioso que essa percepção amarga da existência venha de um filho de pastor protestante (o filósofo pessimista Emil Cioran também era filho de um padre ortodoxo).

O espetáculo dirigido por Luiz Villaça tendo no elenco Denise Fraga e Tuca Andrada não decepciona, pelo contrário. É uma lufada de ar puro em tempos tão empestados, ou como disse Fraga ao final do espetáculo: Esses tempos esquisitos que vivemos. Experimente trocar as personagens do enredo por outras da política nacional sem se esquecer de substituir a doação de um bilhão pela disputa pelo pré-sal para entender a importância do espetáculo nos dias atuais.

A montagem de Villaça revela toda a verve amarga de Durrenmatt dispondo em justa medida os elementos cômicos e trágicos, sem olvidar do lado brechtiano do texto revelado no uso da música, no envolvimento da plateia que é tomada ora como testemunha, ora como partícipe da “farsa de Gullen”, dos cenários não naturalistas, da presença quase contínua de toda a trupe em cena mesmo quando não participam diretamente da ação. Denise Fraga e Tuca Andrada se destacam. Fraga nos dá uma deliciosa Clara Zahanassian, uma mulher trágica que não perde o senso de humor, que sabe rir do próprio destino. Destino que ela própria, aliás, forja como uma moira. Claro que ela ri do alto de sua fortuna, do dinheiro que a permite transformar o mundo em um bordel. Mas que bordel é esse? Ao realizar o velho sonho de se casar na igrejinha de Gullen (com seu nono marido) e de levar consigo o cadáver de Alfred Schill como o grande troféu de sua vingança ela obtém grande satisfação. Mas não há felicidade. Seu ato visa destruir o passado, mas qual futuro constrói com isso? Transformar o mundo em um bordel por força do seu dinheiro não a torna menos desgraçada que os outros reles mortais, pelo contrário, a iguala ao mais desprezível de seus carrascos. A felicidade é impossível quando a mola de tudo é o ressentimento e a vingança não repara o passado, mas compromete o futuro.  O riso de Clara Zahanassian no final das contas é um riso triste, amargo. 

É o riso da solidão que ela sabe ser irreparável. Ela destrói Alfred Schill, seu primeiro grande amor, e mesmo que leve consigo seu cadáver para enterrá-lo num mausoléu em seu palácio, não o terá nunca. A vingança é sempre uma vitória de Pirro. E Denise Fraga sabe como mostrar esse riso amargo e triste que ela exibe como uma máscara clownesca. Tuca Andrada também nos apresenta um Schill humano, profundo, um homem que ao longo da peça desperta para o mal que fez no passado e para o medo do futuro. Futuro que para ele será a morte pelas mãos de sua própria comunidade.  Aos poucos vemos aquele homem imponente do começo do espetáculo se apequenar até chegar à situação final em que, resignado, aceita ser o cordeiro a ser imolado. Seu Schill não tem desespero. Ele simplesmente desistiu de lutar porque compreendeu que o mundo é uma roda viva e que alguns serão inevitavelmente devorados por ela. 

Todo o elenco é bom. Gostaria de assinalar o trabalho do ator Ronis Ferreira que faz o professor. Seu personagem também se destaca por ser a única voz sensata em meio a turba inebriada pela perspectiva da riqueza iminente. Inicialmente ele é o porta voz da razão, do humanismo, mas no mesmo discurso assume a fraqueza da carne e confessa sua traição. Não sem antes nos deixar essa pérola de reflexão: “Eu tenho medo, Schill, exatamente como o senhor teve medo. E sei, ainda, que, algum dia, chegará uma velha senhora também para nós e que, então, se passará conosco o que, agora, se passa com o senhor. ” A história há de nos cobrar pela infâmia.

“A Visita da Velha Senhora” é sem dúvida um dos grandes espetáculos a se apresentar em BH neste 2018. Pena que em temporada tão curta. E, apresentada como tragicomédia, o que sobra no final não é o riso, mas o incômodo de toda a situação. Um espetáculo que cai como uma luva para os tempos atuais.