Nos porões da loucura
O
teatro é a única forma artística que demanda a presença imediata do
espectador para que possa acontecer. Pode ser uma obviedade dizer isso, mas
outras formas artísticas, como a fotografia, por exemplo, ou a pintura ou a
literatura, não necessitam da presença física do seu autor junto ao
espectador/leitor para que possa acontecer. A fotografia, o quadro, o livro,
estão lá já colocados para minha fruição. O teatro não. Ele precisa da presença
física de pelo menos dois (um ator e um espectador) para que possa acontecer.
Nesse aspecto, o teatro talvez seja a mais comunicativa das artes ou, em outros
termos, a que tem a possibilidade de se comunicar de forma mais autêntica e
imediata com o espectador. Uma coisa é a fruição de uma bela exposição que
mistura fotografia e pintura fazendo uma leitura plástica do livro de Hiram
Firmino sobre o campo de concentração de Barbacena, outra é a possibilitada
pelo espetáculo teatral dirigido por Luiz Paixão que encerrou temporada no
último dia 26. Devido a paralisação dos caminhoneiros o espetáculo que iria
acontecer no domingo foi cancelado.
Falei
de toda essa questão da comunicação porque fiquei impressionado com a força
comunicacional do espetáculo. Baseado no livro homônimo de Hiram Firmino, cujo
trabalho de reportagem lhe valeu o Premio Esso de Jornalismo em 1980, o livro
fala da “vida” (se é que podemos chamar aquilo de vida) dos internos da colônia
psiquiátrica de Barbacena. O teatro reportagem ou teatro documentário é um tipo
de espetáculo que já esteve na moda em outros tempos, mas que voltou a ser
pensado e realizado nos dias atuais. Temos bons exemplos em espetáculos como Luiz Antônio/Gabriela que se apresentou
em BH há uns dois ou três anos, ou no recente Gisberta que esteve em cartaz no CCBB em janeiro deste ano (Causando uma estranha e inusitada polêmica). Na cena
local Marilyn Monroe.doc também é um
espetáculo desse tipo. Espetáculos que procuram mostrar a vida de determinados
personagens conhecidos nos mostrando determinados fatos em ordem mais ou menos
cronológica. Nos Porões da Loucura parte do mesmo princípio, com a diferença
que aqui não temos uma personagem em especial, mas todo um coletivo. Uma
personagem social se assim podemos dizer.
O que me chamou a atenção de Nos Porões da Loucura foi a coerência, a
unidade do espetáculo. A adaptação, também de autoria de Luiz Paixão mescla em
boa medida os relatos dos detentos, com a dramatização de outras situações como,
por exemplo, a convivência de funcionários com os internos, os “motivos” que
levaram algumas famílias a despachar seus indesejáveis filhos para aquele lugar
ou mesmo a conversa cínica entre aproveitadores que negociavam cadáveres e
ossos dos mortos naquele campo de concentração mantido pelo estado. A direção
não cria malabarismos optando por uma encenação simples. Os cenários e a luz
criam uma atmosfera de opressão, mas não tão sufocante como, por exemplo, a
cenografia de Blackbird, espetáculo que esteve recentemente em cartaz no CCBB, o que é um alívio dado o peso do que já é dito em cena.
Há também uma ênfase no trabalho dos atores, aliás, um dos pontos altos de Nos Porões da Loucura. Um elenco muito
coeso com atuações muito consistentes, tanto na construção corporal quanto na
propriedade como dizem o texto ou cantam. Há muito tempo que eu não via um
elenco tão positivamente homogêneo na cena local.
Não há arroubos. Todos parecem tocar a mesma triste canção e ela nos dói. Uma colega que estava comigo se emocionou. Duas outras amigas não se emocionaram assim como eu. Ficamos tristes, mas não nos emocionamos. E para mim isso foi, brechtianamente falando, um acerto da direção. Promover as necessárias quebras no momento em que a empatia entre ator e espectador está prestes a desaguar nos sentimentos de piedade e terror, como queria Aristóteles para a tragédia. O teatro deve divertir, Brecht também o achava. E é lógico que a empatia é algo que deva ser buscado, mas para que haja pensamento, reflexão, faz-se necessário o corte. Ponto para o espetáculo.
Não há arroubos. Todos parecem tocar a mesma triste canção e ela nos dói. Uma colega que estava comigo se emocionou. Duas outras amigas não se emocionaram assim como eu. Ficamos tristes, mas não nos emocionamos. E para mim isso foi, brechtianamente falando, um acerto da direção. Promover as necessárias quebras no momento em que a empatia entre ator e espectador está prestes a desaguar nos sentimentos de piedade e terror, como queria Aristóteles para a tragédia. O teatro deve divertir, Brecht também o achava. E é lógico que a empatia é algo que deva ser buscado, mas para que haja pensamento, reflexão, faz-se necessário o corte. Ponto para o espetáculo.
Fui
ver o Boca de Ouro do Grupo Oficina
Multimédia com direção de Ione de Medeiros. Complicado para mim falar do
espetáculo já que também estou com uma versão de Boca de Ouro que estrei em novembro do ano passado. Espetáculo que
produzi com meus próprios recursos, sem nenhum incentivo ou apoio governamental
e que grande parte da comunidade artística da cidade deu pouca ou nenhuma bola
(a dita classe crítica e/ou jornalística idem). Enfim. Mas vou falar nem que seja um pouquinho. Gostei
muito do espetáculo da Multimédia. Ione de Medeiros num grande momento (o outro
grande momento dela para mim foi o magnífico A Casa de Bernarda Alba). Um espetáculo divertido, criativo, que
abordou um outro lado da obra de Nelson Rodrigues. No elenco, o destaque para
mim fica por conta de Jonathan Horta. Impagável nas várias personagens que faz,
especialmente no papel de Guigui.