No calor da hora escrevo essas linhas ainda abalado pelo que aconteceu sexta-feira na Noruega. 92 pessoas mortas por um neonazista que alegou que seu ato era cruel, mas necessário. Necessário para quê ou para quem meu Deus do céu? Para defender os valores de um suposto fundamentalismo ocidental e cristão. Eu que pensava que se existe algum tipo de fundamentalismo cristão, esse deveria ser o de um amor incondicionado ao próximo. Vai ver entendi errado e que o cristianismo que eu julgava conhecer é outra coisa muito diferente.
O monstro (não há termo que melhor qualifique esse tipo de gente) publicou um longo manifesto na internet condenando os muçulmanos e os marxistas.
Eu que pensava que o velho Marx estava morto e enterrado nos escombros do Muro de Berlim, não imaginava que seu fantasma ainda assustava o pálido ocidente apesar da China, país de partido único e economia capitalista, estar colocando em risco a soberania do mundo racional e cristão.
Eu clamo aos céus: Que medo do diferente é esse meu Deus, que tanto me afeta?
É que a mãe Europa, berço da cultura ocidental, está sendo invadida pelo micróbio árabe, dizem os mais afoitos. A nova invasão dos bárbaros pobres abaixo da linha do equador faz tremer os pilares de uma civilização milenar. E eu que não consigo entender o motivo de todo esse ódio.
A Europa sempre foi a invasora de todo o mundo. Os europeus estão acostumados a invadir e dominar outros povos desde a Guerra de Tróia. Nós das Américas e de boa parte da África e da Ásia somos todos frutos dessas invasões. A corrente migratória sempre foi de lá para o resto do mundo apenas nos últimos quarenta anos essa tendência se reverteu, mas com a crise cada vez mais constante da zona do euro, o mais provável é que ela retorne ao que sempre foi.
Mas justo na Noruega? Justo na terra de Ibsen? Um dos países que para nós do sul do mundo sempre nos pareceu um berço de tranqüilidade, o local de uma civilização senão superior pelo menos bem mais equilibrada e racional que o resto do mundo.
Talvez resida aí o nosso equívoco. Recentemente, em sua coluna na Folha de São Paulo, o professor Vladimir Safatle comentou as declarações de um ministro dinamarquês que havia dito que eles (os dinamarqueses) eram uma tribo e gostavam de viver assim há pelo menos dois mil anos. Entendemos todos. Os nórdicos nos enganaram durante todo esse tempo. Eles são e querem continuar sendo os mesmos bárbaros de outrora. Tudo o mais é verniz. A civilização européia não passa de uma grande mentira, um escárnio lançado sobre a raça humana. Três mil anos de civilização parecem não ter ensinado nada aos europeus que já passaram pela inquisição, pelas guerras de religião, pela peste negra, por duas grandes guerras e pela infâmia maior que foi o holocausto e, bem mais recente, pela sandice que foram as guerras na ex-Iugoslávia. Parece que sempre que há uma brecha, nós ocidentais e cristãos estamos sempre prontos ao ódio infundado contra nossos vizinhos. Nos incomoda a cor da sua pele, a sua crença diferente, a sua convicção política, seu time de futebol e principalmente sua falta de recursos materiais.
No Brasil temos a registrar dois fatos curiosos que nos aproximam dessa doença européia. O ator mineiro Alexandre Sena foi agredido por policiais na cidade catarinense de Blumenau. Seu depoimento foi amplamente divulgado na internet. Triste para uma cidade turística que promove festivais de teatro de âmbito nacional e que deveria estar acostumada com a diversidade.
“Vaza negão! Aqui não é seu lugar.” Foram as palavras dos policiais que o abordaram. Aqui não é seu lugar...Certamente o policial da alemã Blumenau considere que sua cidade de fato não faça parte desse Brasil de gente diferenciada que fala português e que votou em Lula muito em função dos programas sociais. Para ele, o policial, sua cidade como todo o sul em si nada mais são que uma extensão da boa e velha Europa preconceituosa e racista. É mesmo Xará, aquele não era o seu lugar, você não é parte desse mundo de civilização ariana. Graças a Deus. Arianos e superiores todos são até a próxima tragédia da natureza que os irá promover à classe dos brasileiros do terceiro mundo.
Parte II: no interior de São Paulo, pai e filho foram atacados por neonazistas que os mutilaram por que pensaram se tratar de um casal homossexual. Isso me lembrou um crime mais antigo. O da morte do índio Galdino em Brasília. Queimado por animais oriundos da classe dominante da cidade que pensavam se tratar de um mendigo. Ah sim, aos índios e mendigos é permitido dispensar tal tratamento, afinal não são humanos, como também não o são os homossexuais bem entendido. Para muitos, esses seres que gostam do mesmo sexo nada mais são que aberrações da natureza e por isso é lícito que sejam atacados e mutilados por babacas de sexualidade frustrada. E a esse coro se juntam a bancada evangélica e a frente parlamentar católica no Congresso que bloqueiam a aprovação de uma lei anti-homofobia. Reflexos de uma civilização cristã que mata adolescentes num acampamento na Noruega. Faz sentido.