A safra teatral está realmente muito boa
Preto,
que encerra temporada em BH nesta segunda-feira, 30 de abril, é um dos grandes
espetáculos da temporada. Produção da Cia Brasileira de Teatro, grupo que tem
sua sede em Curitiba,é comandada pelo diretor Márcio Abreu e que agregou nos
últimos anos a luminosa cumplicidade artística de Renata Sorrah.
A Cia Brasileira de Teatro já esteve em BH em outras oportunidades com espetáculos como “Vida”, “Oxigênio”, “Projeto Brasil”, “Esta Criança”, “Krum” e a agora “Preto”. (Será que me esqueci de algum?) Márcio Abreu é um dos curadores do Festival de Teatro de Curitiba e em BH dirigiu “Nós”, último espetáculo do Grupo Galpão. “Preto” assim como “Nós” é daqueles espetáculos para os quais é preciso estar preparado para assisti-lo. Da mesma forma que é necessária coragem dos atores e outros criadores envolvidos para embarcar numa empreitada que simplesmente tira o chão dos atores quebrando completamente as noções de drama, dramaturgia e personagem. Primeiro porque não há personagem ou se o personagem existe (é claro que existe) está imbricado de forma tão sutil no pessoal do ator que nos deixa em dúvida. Não aquele pessoal que se tornou moda no teatro contemporâneo (pelo menos no teatro feito em BH), aquele pessoal do ator quebrar a quarta parede e contar coisas de sua vida privada para plateia. A imbricação do personagem e do pessoal do ator em “Preto” e em “Nós” é separado por uma linha tênue que exige dos atores um domínio do ofício que os permita navegar pela fábula proposta sem que a plateia não se dê conta da diferença.
É um universo de sutilezas e de detalhes que nos faz acreditar que estamos no sofá conversando com a atriz Renata Sorrah, mas que ao mesmo tempo nos leva a desconfiar daquela atriz que na verdade é personagem, mas que não deixa de ser a própria atriz. Para navegar em águas desse tipo é necessária não só coragem, mas adesão. Adesão ao que está sendo dito. E o que está sendo dito ou mostrado? O título nos remete a um espetáculo político, de protesto, que coloca a questão do negro na ordem do dia. Um espetáculo panfletário como ouvi de alguns ou esquemático em sua proposta dramatúrgica como ouvi de outros. Sinto discordar.
A Cia Brasileira de Teatro já esteve em BH em outras oportunidades com espetáculos como “Vida”, “Oxigênio”, “Projeto Brasil”, “Esta Criança”, “Krum” e a agora “Preto”. (Será que me esqueci de algum?) Márcio Abreu é um dos curadores do Festival de Teatro de Curitiba e em BH dirigiu “Nós”, último espetáculo do Grupo Galpão. “Preto” assim como “Nós” é daqueles espetáculos para os quais é preciso estar preparado para assisti-lo. Da mesma forma que é necessária coragem dos atores e outros criadores envolvidos para embarcar numa empreitada que simplesmente tira o chão dos atores quebrando completamente as noções de drama, dramaturgia e personagem. Primeiro porque não há personagem ou se o personagem existe (é claro que existe) está imbricado de forma tão sutil no pessoal do ator que nos deixa em dúvida. Não aquele pessoal que se tornou moda no teatro contemporâneo (pelo menos no teatro feito em BH), aquele pessoal do ator quebrar a quarta parede e contar coisas de sua vida privada para plateia. A imbricação do personagem e do pessoal do ator em “Preto” e em “Nós” é separado por uma linha tênue que exige dos atores um domínio do ofício que os permita navegar pela fábula proposta sem que a plateia não se dê conta da diferença.
É um universo de sutilezas e de detalhes que nos faz acreditar que estamos no sofá conversando com a atriz Renata Sorrah, mas que ao mesmo tempo nos leva a desconfiar daquela atriz que na verdade é personagem, mas que não deixa de ser a própria atriz. Para navegar em águas desse tipo é necessária não só coragem, mas adesão. Adesão ao que está sendo dito. E o que está sendo dito ou mostrado? O título nos remete a um espetáculo político, de protesto, que coloca a questão do negro na ordem do dia. Um espetáculo panfletário como ouvi de alguns ou esquemático em sua proposta dramatúrgica como ouvi de outros. Sinto discordar.
“Preto” é panfletário na medida em que a poesia possa ser panfletária, radical em sua proposta de linguagem. E a proposta dramatúrgica de “Preto” é deveras radical. E esquemático é algo que o espetáculo definitivamente não é. Não se está discutindo uma questão racial ou a “vitimização” da qual boa parcela da sociedade brasileira é submetida (54% da população brasileira segundo dados do IBGE). “Preto” põe em discussão a questão da diferença, da diversidade. Outros espetáculos o fazem, é verdade. Mas Márcio Abreu e sua trupe envolvem a plateia na discussão tocando-nos por outras bordas. Pela forma sutil que a problemática vai sendo aos poucos inserida ao longo da narrativa, pela troca de papéis, pelo cotidiano que não é naturalizado, mas dissecado no seu absurdo, pelo personagem/não personagem que vaga pelo poético da situação, pela memória como na cena em que Renata Sorrah, Grace Passô e Nadja Naira “revivem” uma cena de “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, um dos sucessos teatrais da carreira de Sorrah. As situações e frases de um texto que parece estar sendo construído a cada espetáculo nos envolvem num caleidoscópio que nos lembra uma das primeiras cenas de “Nós”, aquela em que os atores estão preparando uma sopa e Teuda continuamente derruba um copo com água. Em “Preto” não há sopa, nem copo d’água, mas um contínuo construir e reconstruir o que está sendo dito, fazendo em cena exatamente o que Grace Passô diz em um dos momentos da peça “...e aí você vai buscar o fogo. Obstinadamente você vai buscar o fogo, e essa obstinação que surge, de repente, é também uma espécie de fogo interno, que arde, aqui dentro e te faz agir, saber, correr, erguer, sustentar, lutar, suar...”. É um texto que pode bem resumir o que é o espetáculo.
Destaque
para as atuações. A vibrante atuação de Grace Passô que preenche todo o
espetáculo. Grace ocupa todos os espaços do palco com seu corpo, com sua
presença, com sua voz. Sua potente e bela voz. Há um momento na peça em que ela
canta que parece estarmos vendo uma entidade do samba ou do jazz. Uma atuação impressionante.
Renata Sorrah e Cássia Damasceno também se destacam. Muito legal ver uma atriz
como Renata Sorrah, com sua impressionante trajetória na televisão, no cinema e
no teatro, que poderia repousar sobre os muitos louros já conquistados ao longo
de sua carreira, não temer o risco. Isso faz um verdadeiro artista. Os outros
atores também estão bem. Penso apenas que os atores Felipe Soares e Rafael
Bacelar poderiam ter sido mais explorados. Dois bons atores que dão conta do
recado, mas que não tiveram espaço para mostrar mais sua potencialidade. O
espetáculo é muito centrado nas mulheres, especialmente na dupla Passô/Sorrah.
O
único problema do espetáculo na minha opinião é sua duração e talvez isso seja
um problema da direção. Já havia sentido isso em outros espetáculos da Cia
Brasileira de Teatro, especialmente em “Vida” que vi duas vezes. O espetáculo
diz coisas muito fortes e importantes de uma maneira absolutamente singular,
porém há, parece, um desejo de reiteração que faz com que o espetáculo tenha mais
de um clímax e quando parece que vai acabar recomeça sem muita coisa nova
acrescentar. Para mim poderia ter acabado na cena em que Grace faz um poema em
que conta todos os dias que se passaram desde o assassinato da vereadora
Marielle. Um momento sublime. Outras propostas da direção como as cabeças
gigantes também não chegam a mim. No mais é um espetáculo que não só merece ser
visto, mas que precisa ser visto.